sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Passou

Não me interesso por esse assunto...
Será que sou arrogante?
Minha garganta dói
Minha caneta corre
E eu não sei como responder
Entendio-me
Julgo-os
Desligo-me
Será que sou arrogante?
Antes tudo corria bem
Então me perguntei
Busquei
Encontrei
Voltei
E percebi que não sou mais o mesmo
Isto não faz o isso menos
interessante
Refleti
Senti
Tentei
Esse assunto não me interessa.

Lua Formosa

Me faltam palavras pra falar da Lua
Tanta gente já falou
Tanta gente vai falar
E a Lua
Formosa a brilhar
Nem sei o que dizer
Nem sei o que contar
A Lua já foi cantada
escrita
louvada
estudada
E eu a divagar
Tanta beleza, meu Deus
Tanto esplendor
É a Lua o motivo
De eu crer no Senhor
É a Lua magnânima
A brilhar com fervor
Pairando sobre as cabeças
Exalando amor

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Boicote

Um dia ele acordou outra pessoa. Olhou-se no espelho, não reconheceu aquela cara, que outrora fora espinhenta, olhando pra ele. Os cabelos, antes indigenamente lisos, estavam grossos e modelados pelo travesseiro. O nariz um pouco mais grosso, os lábios menos corados, os olhos mais densos e, o que mais apreciara, a pele que um dia pedira a Deus.
   - Bom dia!
   Alguém bateu do lado de fora de seu quarto, ele, confuso, respondeu maquinalmente.
   E sua voz soara diferente. Engrossara pouca coisa.
   -Vem tomar café!
   Convidou a outra pessoa.
   - Já vou...
   A voz.
   Embaraçado, começou a trocar de roupa e, sem querer, a cantarolar uma música que ele nunca esperara cantar. Julgando-se, vasculhou a mente atrás das músicas que era habituado a gostar e descobriu, ao tentar reproduzi-las com sua nova voz, que não tinham a menor graça.
   Já vestido com as roupas que não cabiam mais em seu gosto, resolveu enfrentar a outra pessoa da casa, imaginando o que esta diria ao vê-lo desse jeito.
   - Olá, o Antônio ligou e...
   Assunto em cima de assunto ia sendo puxado, como se ela conhecesse sua nova forma de muito tempo. Não conseguindo mais perder-se em seus tentadores pensamentos, ele percebeu que se interessava muito por cada palavra que lhe ia sendo oferecida.
   Respondia naturalmente aos estímulos que lhe eram lançados, como nunca pensara antes. O que dizia era desconhecido à sua boca, não eram mais produtos daquela torturante caixinha preta que teimava em conservar dentro do cérebro, donde tirava todas as falas que, de alguma maneira, lhe protegiam. Até lhe vinha à mente dizer tudo como dizia ontem, mas o ímpeto do costume era fraco ante o deleite de correr o risco de ser.
   A outra pessoa surpreendera-se enfim. Ele, envaidecido, ia sendo acometido de certo prazer de ser admirado pela nova pessoa que estava sendo. Jazia tão fascinado por si mesmo que nem notou que comera e bebera tudo com gestos que não lhe pertenciam antes.
   Apaixonado, ele passou o dia arraigado, analista ensimesmado, tentando a todo custo mostrar a todos o quanto estava mudado, quão diferenciado, tanto melhorado! Pobre de mim...
   À noite, ao olhar-se no espelho, tremeu de medo ao ver a si mesmo espinhento, os cabelos novamente lisos, os lábios corados, o nariz adolescente, cantarolando na cabeça as mesmas velhas músicas que um dia gostara de enjoar.
   - Droga! – exclamou sua antiga voz.
   Já era a décima primeira vez esse mês.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Medo

Zezinho corria esbaforido, corria como se uma águia gigante quisesse lhe arrancar a cabeça a bicadas, corria como se estivesse num caldeirão de bruxa azul, fugindo de piranhas também condenadas.
Da pra imaginar a dor desse correr. Corria sem correr, ofegava sem respirar, arfava já sem ar.
e
Quando parou, sacou
Mas continuou a correr
Pois se parasse seria alcançado por si mesmo.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Limpeza


Que fazer com esse monte de sensação,
com esse monte de sentimentos,
esse tufão de pensamentos?

Não seria mais fácil
botar tudo num liquidificador
bater tudo o que há de ruim
misturar tudo o que é dor
integrar a confusão
inteirar todo o passado
tudo o que deixou de lado
e beber de uma vez só?

Desceria desfazendo
todos os nós da garganta
os baques do peito
o fogo no estômago
e o torpor cerebral
então reteríamos,
digeriríamos
e
finalmente,
até o que há de mal no astral,
pra fora colocaríamos!

domingo, 4 de novembro de 2012

Pai

Hoje eu conheci meu pai:
camisa rosa
calo no dedo
olho rasgado
jeans no joelho
bafo de açúcar
trinta e nove
Libra
Falou-me de histórias que não contou
Falou de sua rotina
Falou de sua vida
Falou da família
É tímido
Bonito
Querido

Agora há pouco partiu
E minha ficha inda não caiu:
Hoje eu conheci meu pai!

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Comedimento

Se a dor doesse dentro e não arredasse, daria a disposição um dragão,
que em dois dias devoraria o coração e daria claridade a ele próprio,


morrendo no desvario pela vitória da ilusão.

Mas posto que a dor dói fora, dando ao mundo suas dádivas, põe
destemido quem julga que é capaz de ser doente de amor,


nascido no desvario pela derrota da desilusão.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

comoeonde

Eume transfiguraria
de pinturasepudesse
Prate envolver
Parate fazer
meanalisar
Parate apaixonarpor mim

Seria um densomar
e um levecéu
Com formasnovas
prate embasbacar
comcores viajantes
Diferentesdeste lugar

Eusim quereria
ser inavaliável
serpra sempre teu
O menino dosseus olhos
Inteiroem mim
Contemplado

E nasua parede
me fixar
E você semprea olhar
A imaginar

quandoeporquê

terça-feira, 23 de outubro de 2012

chove dentro de mim


Não me abandone na chuva
Não me abandone na sombra do sem perspectiva

Dorme o sono roncado de quem não tem culpa
e agarra as penas enquadradas que não tem mais coração
Elas podem ser leves
mas são desprovidas
fáceis
e mortas
Pois foram arrancadas de uma vida

Eu estou do seu lado
clamando por colo
clamando por algo que me sustente nesta minha carência

Abrace as minhas penas
Me põe embaixo da tua asa?

É só agora
É só hoje,
para que os raios dessa primavera não me cortem ao meio.


Que as palavras possam me purgar
E que a chuva possa tudo lavar
Pois não ando capaz de abrir nem meu próprio guarda-chuva
É só agora
É só hoje...

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Entendimento


     Deu nele de fazer esse curso sem mais nem menos, sem precisar de vestibular ou estudar em demasia. Suas economias se deixaram ser tragadas pela vontade de possuir a melhor câmera fotográfica que a competência humana podia fornecer, em dois anos estaria doutor da imagem que queria ver. Todos sabem como o trabalho muda de caráter quando passa a ser prazer!
     A mãe sempre achara que ele tinha um talento inexprimível para matemática, sempre achara que o menino pudesse vir a ser professor, como o pai, afinal a família era de homens físicos, químicos, álgebros: correta e estritamente exatos. Por que esse menino me inventa agora de tirar fotografias, meu Deus?
     Mas o fato era que o jovem não se abateu com nenhum tipo de desânimo que, porventura, pudesse lhe assombrar por meio dessa gente que não tem certeza se trabalhos como este eram rentáveis.
     Mas a rentabilidade estava toda no coração. Foram os dois anos mais silenciosos que ele teve na vida, abriu mão da festa de formatura, das festas de família, das festas dos amigos, abriu mão até de si mesmo. O prazer do trabalho, subseqüente ao prazer do estudo, veio com sua câmera e a pura existência de seus amigos.
     Era um por dia, em lugares diferentes, presenteados com as mais belas imagens de si próprios que, numa eufórica contemplação, radiavam ao outro com sua admiração e felicidade.
     Era assim que ele, como quem libera beija flor, ganhava a vida.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Além

   Havia muito tempo que estava preso entre as paredes descascadas de seu apartamento de um quarto, um banheiro que dava choque e um armário que cheirava a naftalina mofada. Gotas de suor frio e de lágrimas quentes enchiam os recipientes que se espalhavam pela habitação, tudo o que pensava escorria, não era por outro motivo que mantinha garrafas, garrafões, baldes, taças, latas, tudo o quanto era preciso para manter as dignidades correspondentes de cada ideia liquefeita em seu devido lugar, na devida ordem . Ele estava sentado naquela mesma cadeira de assento redondo e espaldar quadrado, vidrando a rua por trás de umas folhas secas que não eram contempladas pelos momentos de chuva que saíam de sua mente, mas suas lâmpadas não se moviam, estavam apagadas, só o que se movia tinha o acontecimento de dentro pra fora, mas dentro do apartamento, como cada universo que existe em cada copa de árvore e que não temos capacidade de penetrar. Porém, raízes como as dele eram raras, perigosamente belas e, pra ele, enclausuradoras. Chovera apenas uma vez e, nesta ocasião, chegara a abrir a porta, mas aquele frio, aquele que nos impede de adentrar os carrinhos de uma montanha russa, o congelara; e aquele fenômeno, que, por ser fenômeno, descascara suas paredes e estragara seus móveis, nunca mais aconteceu.
   Poderia carregar seus pensamentos em um caminhão pipa e irrigar ruas e vielas com suas ideias, sem desperdiçar nada, aliás, ninguém que conhecera poderia chamar aquilo de desperdício. Talvez seu ato fosse censurado, no mais, ignorado, mas de qualquer modo, não ia mais se afogar pelas visões daquele aguaceiro insuportável que atravessava a intransponível barreira do invisível.
   Como os cabides balançavam, as portas do armário tremeram e se impeliram pra frente e, novamente, um grito de suplício, certamente embebido de naftalina, soou para onde ninguém, a não ser o seu emissor, ouviria:
   - Socorro!
   A criatura detida agitou-se à medida que as roupas daquele ser recomeçaram a ser molhadas por pensamentos e ideias que antes não existiam e que poderiam ocupar, se ele quisesse, alguns lugares para além de seu apartamento. Mas, por algum aspecto sombrio de sua natureza particular, numa consciência que não transcendia a compreensão do é querer e poder, mais um recipiente, e dessa vez um vaso, passou a ser enchido. O dono da voz berrava de dentro do armário, e ele cada vez mais absorvido, como água nova em esponja velha, cada vez mais imerso em um aquário cujo peixe não vinha de jeito nenhum à existência.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Dia das Mães

Por que aquela sensação de dias das mães causava-lhe náuseas não era um mistério, ao menos pra ele. Entrou no metrô por volta das onze e se viu cercado de gente que carregava sacolas gigantes com embrulhos pequenos, panelas encaixotadas, pacotes coloridos e cafonas que acompanhavam vasos e mais vasos e mais vasos e mais vasos e mais vasos de flores. Sem exageros, sentia vontade de vomitar, e a culpa não era do pólen (ou do plástico), todo aquele incômodo difícil de disfarçar partia dele mesmo e estava para além do seu querer.
   Não que fora filho de mãe negligente, muitos menos de chocadeira, fora até bem criado, tivera o que as condições permitiram, estudara em colégios regulares e trabalhava por conta própria desde sempre, afinal, sua mãe, uma mulher consciente e trabalhadora, não lhe dera tudo o que ele esperneava ou chorava para conseguir, e ainda hoje não fazia isso!
   Não tivera pai por muito tempo, seria mais um motivo para se apegar à mãe, mas não, sentia-se aborrecido em ter que dividir o mesmo quarto apertado, o mesmo guarda-roupa mofado, a mesma mesa que ocupava grande parte da cozinha, o mesmo sofá de dois lugares, o mesmo teto inacabado. Dividir o sangue já podia estar de bom tamanho!
   Muito pouco via a mãe e fugia o quanto podia, pois quando se encontravam, ela testava sua paciência com uma carência desenfreada que lhe causava pensamentos pouco saudáveis (para a sociedade).
   Já se cansara daquelas conversas-terapia com a mãe, em que ele tinha de fazer pouco esforço para dizer que sim, ainda a amava e, sim, todas as crises eram da cabeça dela. Tinha vontade de bater a cabeça na parede quando a mãe lhe dizia que estava diferente, o que ocorria com freqüência, aliás, todas as brigas eram embasadas no quanto a mamãe sofria por seu filhinho não ser aquilo que ela quisesse que ele fosse, ou pelo menos fazer algum esforço para parecer um pouquinho mais agradável do que estava sendo.
   E hoje, hoje era dia das mães! E como a mãe era tradicionalíssima, teria que comprar algum presente, teria, teria de abraçar, beijar, desejar feliz Dia das Mães, dizer que a ama, esperar um olhar carinhoso cheio de lágrimas de paixão, um “eu te amo muito, meu filho” e um abraço apertado. Para isso, teria de fazer uma cara decente de bom filho, um sorriso, com os olhos incluídos, e um terceiro abraço em retribuição.
   O problema era que não gostava mais da mãe. Problema porque, aparentemente, ninguém seria capaz de compreendê-lo, e tudo isso, garantia-lhe, não era ingratidão. Não era! Reconhecia-a como a mulher batalhadora que sempre fora, nunca deixara de dar amor aos filhos e fazia o que podia para que a paz reinasse em sua casa traquejada de imagens de santos e patuás de lugares que ela nem acreditava tanto assim.
   A culpa não era dela, ele simplesmente deixou de amá-la, como talvez amasse em outras épocas. Não suportava sua mãezinha com aqueles momentos de amor escorrido que o tiravam do sério. Já chegara a desejar que ela morresse para que o deixasse em paz, e também para que não percebesse o estado de desinteresse em que o filho entrara: disso ele tinha consciência, preferia ele morrer a deixar a mãe saber sobre seus sentimentos (ou a falta deles).
   Ainda mais hoje, não tinha desculpa, teria que voltar pra casa com um presente e uma máscara de afeto. Dividia-se pensando em um presente e numa maneira de entrega que não carecesse de muito contato, mas que também não sugerisse uma frieza de sua parte.
   Não se importaria de gastar o quanto fosse, se tivesse, divertiu-se em imaginar a compra de um passaporte para qualquer país e várias diárias com tudo pago... Não! Tinha que ser agora, o que entregaria para a mãe, no Dia das Mães, no fim do dia?
   Plantas ela já tinha demais, CDs não escutava com freqüência, filmes não assistia, livros não leria, para roupas não sabia do que ela gostava e nem o tamanho que usava, sapatos muito menos...
   Nesse momento entrou um vendedor no ônibus em que tomara maquinalmente, pois se perdera em pensamentos. Antes de mais nada, meus senhores... desejou um parabéns à todas as mamães, dissera que elas eram abençoadas, que sem elas nós não estaríamos aqui e blá blá blá.
   Já ouvira dizer que, para as mulheres, ter filhos era um divisor de águas, ele tinha um pouco de receio, tinha planos de adotar uma criança e temia que seus sentimentos reverberassem no universo contra si. De birra, não comprou o chocolate gorduroso que ele vendia, sequer o olhou, mas não deixou de notar que o vendedor batera sua meta para aquele circular.
   Voltou a pensar no que daria à mãe, talvez fizesse um cartão como aqueles da escola, parece que uma amiga sua ganhara um do filho prematuro, foi dali que lhe surgira a idéia. É, seria um símbolo para a mãe, e além de poético resgataria a memória do filho que já não existia mais naquele corpo.
   Ele teria que dar pessoalmente e receber tudo o que não queria, mas ela... ela ia gostar de qualquer jeito! É...
   Pelo sim, pelo não, resolveu abrir mão de suas travas e decidiu-se pelo cartão infantil.
   Então se sentou ao lado dele um garoto, acompanhado da mãe e da irmãzinha, que se sentaram em outro banco. O menino trazia um cartão maior que as suas mãozinhas, provavelmente recém trazido da escola, a garotinha não tinha posse de cartão nenhum e seus olhos estavam marejados, a mãe vestia luto e falava engrolada ao celular. Num lapso de memória, ele correu pro ponto e deu o sinal.
   A papelaria não estava menos abarrotada de gente cafona, mas ele estava conseguindo até achar graça nisso tudo, não que não tovesse consciência do mundo capitalista em que vivia, e que toda essa luz rosa em torno desse dia tinha uma energia monetária, mas era até bonito ver o entusiasmo intrínseco na cara das mães que ainda eram filhas da mãe e que, portanto, esse dia significava o dobro pra elas que para seus rebentos.
   - Pois não? – disponibilizou-se a vendedora iluminada após dar um tchau risonho a uma menininha de fitas amarelas.
   Quando entendeu o presente que ele propunha à mãe, a moça ficou quase intimamente emocionada. Ele pagou a loja, desviou de flores e flores e flores brancas e amarelas que dançavam em sua direção e se sentou num banco recém pintado da rua,

   Querida Mamãe...

   As idéias mais românticas e criativas ele escreveu em letras garranchadas, como há doze anos escrevera.

   Um mundo inteiro de felicidades pra você.
   Seu filho que te ama.

   Desenhou graminha, uma casa com chaminé, um sol que pegava a orelha esquerda da folha, pássaros em V e dois bonecos, um masculino de tamanho menor que um feminino, este com longos cabelos amarelos e olhos verdes.
   Finalmente feliz, levantou-se de um salto e tomou o rumo de casa. Então seu celular tocou.
   - Alô?
   O cartão escapou-lhe à mãe quando a irmã, mais nova que ele, com uma voz engrolada, dissera em tons obscuros de pétalas mortas:
   - Mamãe morreu.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Transição

Saiu abalado das abóbadas de seu prédio, fechou as portas e, paralisante, preferiu a companhia das casas de concreto na rua. Depois caminhou, conversou com as nuvens negras que preludiam a chuva, observou o bater de asas borboleteantes acima de si e se encrespou com um menino que brincava com um carrinho, ambos petrificados.
Sentou-se entre o salão de baile e o sexto DP da polícia. De um lado, despreocupadas paredes pro seu problema, do outro, preocupados demais pro que nem crime era. Sentia-se desolado, distinto das menininhas que se agarravam nos garotos de boné pra trás e os sugava a língua em saltos perigosos.
Lembranças pipocaram em sua mente anoitecida. A saudade da novidade, da vontade, até daquela velha vaidade por ostentação o dominou, nada a ver com os prazeres tão prazerosos que não mais sentiria quando abandonasse os trajes descolados. Era o luto a um amigo sincero, sereno e sabido.
Como iria lhe acalmar a dor se a própria calmaria fora embora?
Recolocando os olhos e a consciência no lugar em que estava agora, deu um oi ao balconista, ambos de gélidos sorrisos, depois gelou a garganta com um gole de cerveja barata, olhou pro céu secando as pálpebras, fez uma oração silenciosa às estrelas que não por acaso transitavam por ali, e reuniu coragem para voltar ao apartamento.
Lá em cima, divisou o aparelho que lhe dera a notícia, agora sem alôs alegres ou bipes divertidos. Sentou-se dolorido na poltrona de pulgas, agarrado ao colar vermelho de pingente do amigo que não mais dormiria com ele. Saudosista, jantou a ração de seu cachorro.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

De agora em diante

Crescer
Verbo intransitivo transitivo
Condição sempre em mutação
Dependente da gente
que o compreende
Universo em transição
Correspondente da ação
Palavra de evolução
Simples
Dissílaba
Intrínseca


Crescer
Morrer pra renascer
Se elevar
abandonar
Desapegar
Cresceu
é
Viver
é 
Fazer
é
Ser

sábado, 28 de julho de 2012

Busca

Correu, correu, correu
Sem olhar pra trás
Correu sem menos nem mais
Simplesmente correu

A sola deitava no chão
A coluna se eriçava em pulsação
O coração batia de dó em dó
O corpo se jogava sem pena, sem dó

Sem ré, saltou a fortaleza e voou
Passou por nuvens enchuvaradas
Estrelas ensimesmadas
Ventos dispersos e embaraçados

Num raio de tempo
Já estava embalado pela batia que existia
Chegou às chaves que buscava
E, com amor, se elevou

Que sol fazia no elevado sombreado!
Moradia das fadas e dos astros
A visão via vultos de cima
Tudo lá longe, só de relance

O céu apalpava-lhe o peito
Encharcando-o de emoções
Tudo durou o tempo suficiente
Que o permitiria viver no presente

Depois se desferiu em espiral
Pois se continuasse não voltaria
E se não voltasse não existiria
Aqui era o seu lugar

Lá era apenas pra voar
Pra descobrir
E desvendar
E amar

Arfante, voltou da porta misteriosa
E, com a chave, se deitou
Fechou os olhos,
Cortinas sempre abertas

A pensar queimava
Quando voaria de novo
E, nostálgico, sonhava
Com precipício e duas asas

Ninguém acreditaria se contasse
Temia até que o fosse feito
Pois o novo, que era o voo
Dependia do segredo.

terça-feira, 17 de julho de 2012

O Cara da Poesia - Livre

Reconheci o cara da poesia
etéreo
tímido
taciturno
sob o entontecido de vaidade
Permanecido escondido sob os ombros do outro eu
entorpecido de vontade


Que romântico meu pranto
meu canto tolo
já questionado
pelo doido pra ser louco
irreal
imaturo
passional
passivo do medo
do julgamento
do tormento


Invisível!


E quão difícil é descobrir-me
se é fácil, minto
é só agir?
Desnudar-se?
Livrar-se?
Contestar-se?
Desmascarar-se?
Sou muito menos eu
e muito mais letras
que retórica
Eu sou!

Eu sou?


Quem eu sou?


O cara da poesia está dentro
de uma sala
de um quadrado a girar
museu de recordar
da infância e das certezas
antigas
ruínas
fantasmas


Para
Observa
Tantas portas abertas
outras tendo que fechar
e o ato de criar?
Fica em meio
ou receio?


E sou eu essas portas
de lógica e imagética
sensação
E não agir é estar em um
aquário
Eu estou dentro de um armário
e nele fecho-me
acuado
libertário
otário
eu
Vaidoso repouso
Acordarei superior.
Acordarei superior?


Superioridade
Maturidade
Ciclicidade
O aquário deságua
O armário se abre
Pois ainda sou escravo das palavras
E qual a lógica de vivenciar?


O segredo,
diz o cara dia poesia
na frente do espelho,
é acreditar!

terça-feira, 10 de julho de 2012

Nobreza

O operário bebe água.
Tudo ao seu redor se modifica, os carros passam a passar lânguidos, as pessoas que passeiam puxam o tempo, os edifícios se ajoelham por um minuto, vagarosamente, enquanto o céu se abre e o sol sai sob o solstício, laranja como o quepe. Só as folhas e flores e pássaros se movem, despercebidos, os outros (o resto) dançam em sua paralisia, quase vivos, sem raciocínios, vão descendo, vão caindo.
Alguma música popular vai virando ópera, algum orgasmo em cavalgada vai virando vento, conta gota em boca de criança, em torneira de pia, em teto rachado vai e se demora, em muitas horas, quase nada, sem pressa, sem o palpável do real, sem o beta, sem o alfa. E tudo enquanto o operário vai bebendo água, durando pouco, valendo muito.
Tudo para...













Tudo volta.
A garrafa, sem importância, levanta-se, tampa-se e solitária volta pro bloco. O bloco volta pro operário e tudo volta ao natural, sem natureza, como se nunca tivesse parado, como se não tivesse importado.

Nossa

Minha paixão é cachoeira
é muito simples, é muito
grande, é purificado
ra, é transbordan
te, é fluente, infi
nita, é natural
é cristal, ama
relo-laranja,
azul-verde
é colorida
no sol é
arco-í
ris, na
chuva
é inda
mais, n
a ne
ve
é
r
e
s
g
u
a
r
d
a
d
a
,
a
c
o
b
e
r
t
a
d
a
,
e
s
t
á

a
l
i
!
Tão imponente e importante quanto o dia em que chegara
Quente e musicada quanto a noite em que surgira
Minha paixão é cachoeira
Minha paixão é energia


quinta-feira, 5 de julho de 2012

Homens de dentro

Se as pessoas discutissem política com a gana que discutem futebol
seríamos um país evoluído

Se bradassem de indignação
contra a corrupção
como fazem com o juiz

ladrão
não haveria de haver faltas
não seríamos faltosos
para com o jogo da
política


Se soubéssemos o nome
dos senadores e deputados
e ministros e candidatos
assim como sabemos
os de todos os jogadores,
não seríamos
talvez
um país de devedores,
pagadores de salários
de propina

e salafrários

E todas as propostas
planos, pátrias e pagamentos
de quem importa que saibamos?

Se ouvíssemos a voz
correta
agora
ao invés do comentarista de gol de bicicleta
não seríamos homens de fora
por fora
na hora

da história

Se compreendêssemos a tal da língua formal
não só o palavreado de boteco
igual, tudo igual, sempre igual

Seres somados seríamos
Bilíngues utilmente
Sem colegismos ingleses
para bolsos de burgueses

Queria ser moço de política
e morrer.
Não não sabendo
Pois morremos todo dia
com esse tal de impedimento
de Neymar
de Ronaldinho
de Corinthians
de Robinho
de Pelé
de Zagallo
de Roberto
de Romário
e

por fora
nem sabemos
da Maria
da Marta
do Antônio
do Sara
do Paulo
da Cláudia
do José
da Paula
da Sonia
do Lucas
do Rogério
da Fátima
da Ana
do Fabio
do homem
do saco
da vida
da lua
das estrelas
da rua
da greve
da fome
da miséria
da usura
do rico
do pobre
do ouro
do cobre
do fora
do dentro
dos países
do tempo
dos livros
dos filmes
dos saberes
das músicas
das urnas
da história
da geografia
da glória
da ciência
das matas
dos campos
dos mares
do avanço
da palavra
da língua
dos pares
dos quadros
dos mestres
das culturas
dos templos
das cidades
dos homens
dos homens
de dentro.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Noite I

Ele estava parado havia horas, contemplando o vazio taciturno de sensações do que ainda não chegara. Aquilo que era ele, naquele momento, estava a alguns centímetros de distância, a contemplá-lo.
A pizza mal comida e a cerveja abandonada jaziam sobre a mesa suja, a taça de vinho, usada pro não desuso, ainda estava cheia e a cápsula... a cápsula deitada inofensivamente.
- Sou eu quem faço mal a mim!
Sussurrou.
Passou a ler sobre dependentes e efeitos e isso não melhorou seu doente estado de espírito. Fuga? Talvez não. Era o dramalhão em que transformara sua vida que o instigava a dar mais um tiro nele mesmo.
Levantou-se de repente, a cápsula colhida pela mão como língua de sapo. Olhou pra ela, sentiu o cheiro na tampa e se invadiu de antigas sensações, sabia que encararia o resto do dia na pilha se resolvesse seu misto de medo e desejo.
Olhou pela janela, depois olhou pra cápsula, puxou a água que escorria de sua rinite e caminhou pro banheiro, deixando os raios solares sozinhos na sala. Meio desajeitado, separou uma fileira depois de arrebanhar pequenas quantidades de volta pro tubo. Encarou o caminho branco e por um milésimo de tempo pensou em jogar tudo na privada, onde estava sentado, no entanto, enrolou uma nota velha de um real e aspirou...
Processou um pouco o que acabara de fazer, levantou-se da tampa quebrada do vaso, limpando a calça pontilhada com cheiro de remédio e deu de cara consigo mesmo no espelho. Foi acometido de vertigem ao ver seu nariz com resquícios de pó branco. Limpou o mais rápido que pôde, sem assoar o nariz e correu pra sala, sem fome, sem sede, sem vida.
Aquele não seria seu tiro derradeiro, mas ainda assim continuou sentado, olhando pro nada, sabendo que se esconderia do dia para mais uma longa noite de sensações.

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NOTA: Talvez esse seja o primeiro texto que eu não goste, escrito há pouco mais de um ano em primeira pessoa. Não consegui deixá-lo melhor que isso, no entanto decidi publicá-lo, mesmo sabendo que ele me causa vertigem e desassossego no coração.

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Rebeldia

Chovia melancolia, o céu nublado estava prestes a desabar, carregado de interiores desconhecidos e abandonados inalcançáveis.
Então ele saiu de casa, radiante, andou pela avenida triste sorridente, descalvado, os joelhos marcados pela frouxidão ligamentar, os olhos inflamados pelo suor e fumaça cotidianos, a pele machucada, o vento a lhe esbofetear... mas sorria.
Oprimido pela mochila, subiu no ônibus lotado, se apertou, apertou, pisou no pé de uma moça que lhe xingou de folgado, agraciou mais uma tensão no ombro esquerdo e quase rompeu de novo com as rótulas quando o ônibus estacou no ponto cantarolante em que desceria.
Passou o dia embevecido, olhando bobocamente o nada, trabalhando com as fadas que ele quase nunca acreditava. O maquinal já nem doía, o esforço habitual nem lhe comia. Ouvia puxões de orelha, corria com voz ignorada, tateava o almoço com a garganta velha de comida duvidosa, misturada a refrigerante barato e cheiro de frango bailarino, sob olhares de cachorros e moscas enfumaçadas e ele, resplandecendo, olhar fixo, cabeceando.
Bateu cartão-voltou pra casa. Levava um novo corte, uma fisgada em novo ponto do joelho, um pulsar escapular e uma vermelhidão na lupa, que só a afogada por uma latinha merecida de cerveja do fim do dia poderia curar. Chegaria, banharia, deitaria e, antes do dormiria, pensaria no que ocorrera antes do nascer do sol.
Acalentara-se de sorrisos durante todo o dia, encastiçara-lhe o coração e manteve-se aceso, fumegando... No outro dia voltaria, no outro dia veria, no outro dia sorriria, ainda mais. Toda a sua opressão agora se resumia a um café com leite, desimportante, ante o que de novo acontecia.
Apaixonara-se.

terça-feira, 26 de junho de 2012

Câmara

Aquela era sua cadeira havia trinta anos. Por trinta anos sentava-se atrás daquela mesma escrivaninha de madeira mordida e agora, entre ele e a tábua fria, um pedaço de papel descolava o que fora do que seria.

Nada se movia. A pálpebra não tremia, a veia não pulsava, os óculos não escorregavam por suor nenhum, não havia farfalhar de asas do lado de fora da janela às suas costas, nem mesmo o cérebro raciocinava. A única coisa que ele sentia era a bunda... ah, bunda! Talvez nunca notasse o quão gostoso fora tornar quadrada aquelas nádegas por trinta anos. Aquela cadeira fora a deformadora de seu corpo por tanto tempo, que era desesperador pensar que o levantar do dia seguinte não teria o sentar-se nela como meta.

O primeiro pingo de suor então caiu do lado esquerdo da testa para cima da folha, borrando o logo da empresa, o olho direito arregalou e, aos poucos, o comando acessou os ossos, os ossos foram acessando os músculos, que por sua vez acessaram a pele e moveram a carne perplexa que ia se levantando. Vagarosamente, caminhou a até a janela, fechou a persiana e apagou o abajur.

A caixa de canetas foi esvaziada e, em seu lugar, colocado tudo aquilo que lhe restara dos trinta anos ininterruptos, sem atraso, sem exceção, sem alguns domingos e sem feriados: um porta-retrato empoeirado com sua própria foto na idade em que entrara, um girassol de plástico que ficava no canto esquerdo da mesa, a carteira de trabalho pronta pra ser recarimbada e uma caneta azul quase acabando.

Como quem caminha pra forca, ele saiu da sala e, ao fechar pela última vez a porta que segurava o local de sua cadeira, o lustre, que há muito não acendia, despencou.

Uma pétala
Dois dedos
Três sobrando
Quatro olhos
Cinco flores
Seis árvores
Sete nuvens
Oito horas
Nove minutos
Dez segundos
Onze estrelas
Doze fora
Treze olhares
Catorze seres
Quinze vivos

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Afeto


Ele morava no décimo quinto andar do centro da capital. Trabalhava seis dias por semana há uma hora dali. Ia e voltava de bicicleta, paga em três vezes sem juros, fazendo caminhos arborizados, driblando o trânsito e a fumaçada.

A refeição matinal era composta por três fatias de pão integral, cereal, vitamina de grãos e uma bomba de açaí. Saía às oito, o dente polido e lavado, o cabelo penteado, o terno escovado, bicicleta no asfalto. Trabalhava (,) a contra gosto, sentado. Ao meio dia tirava da mochila um pote tamanho família recheado de proteínas, carboidratos, ferro, zinco e um suco saudável. Em uma hora comia, lia, dormia e retornava.

Às três em ponto, chá verde, chá branco, chá preto, papeava com os melhores colegas no fumódromo, e voltava às três e vinte pra sua cadeira espaldada, pra cuidar da papelada.
Voltava às cinco, pedalando, capacete posto, terno no encosto e uma garrafa tônica. Não jantava, comia uma maçã, ia ver televisão, lia um pouco de ficção e tomava um banho sem demora.

Nos intervalos da vida pagava conta, comprava água, regava planta, limpava a casa... por vinte anos não sustentara nem barriga nem estátua.

Então, como quem planta uma árvore, morreu.

Bronquite, asma, tuberculose e o câncer de pulmão. Os olhos vermelhos, pupilas inchadas, a bicicleta amarronzada, a roupa branca acinzentada, o terno preto esbranquiçado, a árvore seca assobradada.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

O Vento

O vento assobiava na fresta da porta entreaberta para a maquete da cidade, nos canos ressoava como sanfona e, por vezes, gritava desesperado por excesso de tempo e falta de espaço, nos condomínios abaixo era despercebido, o máximo de afeto que conseguia era uma cabeça virada ou uma segurada na saia, contra, não a favor.
Voava e incomodava, era só fecharem a porta pra se livrarem dele e de sua divagação perdida, descaminhada, sem saber pr'onde voava, sem foco, rumo ou objetivo, a não ser o de existir. E de que vale só existir? É tão efêmero e plural que até um ventilador pode lhe reproduzir, pode lhe representar, inclusive substituir. Pra que então há de existir?
Mas eu vi o vento voar. Eu vi o vento se condensar e transpirar melancolia. Vento não é símbolo de nada e talvez ele nunca chegasse a entender, até o dia que entendeu.

Abaixou sua cabeça, se livrou da vaidade, guardou seus julgamentos num baú póstumo de libertação e compreendeu que aquilo tudo não era só momento, que havia um firmamento e, em si, transcendeu.
O vento virou tornado: o vento via, o vento mexia, o vento existia, tudo o que havia de diferença era por conta de sua presença, de sua presença em si.

O vento não mais assobiava, o vento agora cantava e, cantando, me transformou...