quinta-feira, 21 de junho de 2012

Afeto


Ele morava no décimo quinto andar do centro da capital. Trabalhava seis dias por semana há uma hora dali. Ia e voltava de bicicleta, paga em três vezes sem juros, fazendo caminhos arborizados, driblando o trânsito e a fumaçada.

A refeição matinal era composta por três fatias de pão integral, cereal, vitamina de grãos e uma bomba de açaí. Saía às oito, o dente polido e lavado, o cabelo penteado, o terno escovado, bicicleta no asfalto. Trabalhava (,) a contra gosto, sentado. Ao meio dia tirava da mochila um pote tamanho família recheado de proteínas, carboidratos, ferro, zinco e um suco saudável. Em uma hora comia, lia, dormia e retornava.

Às três em ponto, chá verde, chá branco, chá preto, papeava com os melhores colegas no fumódromo, e voltava às três e vinte pra sua cadeira espaldada, pra cuidar da papelada.
Voltava às cinco, pedalando, capacete posto, terno no encosto e uma garrafa tônica. Não jantava, comia uma maçã, ia ver televisão, lia um pouco de ficção e tomava um banho sem demora.

Nos intervalos da vida pagava conta, comprava água, regava planta, limpava a casa... por vinte anos não sustentara nem barriga nem estátua.

Então, como quem planta uma árvore, morreu.

Bronquite, asma, tuberculose e o câncer de pulmão. Os olhos vermelhos, pupilas inchadas, a bicicleta amarronzada, a roupa branca acinzentada, o terno preto esbranquiçado, a árvore seca assobradada.

6 comentários:

  1. Texto muito bom!
    Pena que poucas pessoas param pra ler textos grandes na internet.
    Histórias assim são incríveis, nos encontramos no meio delas.

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  2. Uau, show o que você escreveu. Seguindo você pelo Reader.


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    Abraço

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  3. Muito legal o texto, adorei. Parabéns.

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  4. O que achei mais interessante na personagem é o fato de ter uma vida aparentemente tão saudável e no fim... Bem, todos temos um fim, mas o dele parece, de primeira lida, não se encaixar. No entanto, no trecho em que o narrador diz que ele conversa com os colegas no fumódromo, pensei, "Uma pessoa que não fuma não gosta de ficar em fumódromos", então compreendi que ele era fumante, pelo menos passivo. Percebo certa crítica contra alguns costumes e até mesmo contra-costumes.

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  5. Engraçado como vc reprensentou o banal de uma forma chocante e nitida.
    O mais interessante, eh como vc mostra q nd do q ele fez foi importante ou fez diferença. Soh mais um....

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