segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Transição

Saiu abalado das abóbadas de seu prédio, fechou as portas e, paralisante, preferiu a companhia das casas de concreto na rua. Depois caminhou, conversou com as nuvens negras que preludiam a chuva, observou o bater de asas borboleteantes acima de si e se encrespou com um menino que brincava com um carrinho, ambos petrificados.
Sentou-se entre o salão de baile e o sexto DP da polícia. De um lado, despreocupadas paredes pro seu problema, do outro, preocupados demais pro que nem crime era. Sentia-se desolado, distinto das menininhas que se agarravam nos garotos de boné pra trás e os sugava a língua em saltos perigosos.
Lembranças pipocaram em sua mente anoitecida. A saudade da novidade, da vontade, até daquela velha vaidade por ostentação o dominou, nada a ver com os prazeres tão prazerosos que não mais sentiria quando abandonasse os trajes descolados. Era o luto a um amigo sincero, sereno e sabido.
Como iria lhe acalmar a dor se a própria calmaria fora embora?
Recolocando os olhos e a consciência no lugar em que estava agora, deu um oi ao balconista, ambos de gélidos sorrisos, depois gelou a garganta com um gole de cerveja barata, olhou pro céu secando as pálpebras, fez uma oração silenciosa às estrelas que não por acaso transitavam por ali, e reuniu coragem para voltar ao apartamento.
Lá em cima, divisou o aparelho que lhe dera a notícia, agora sem alôs alegres ou bipes divertidos. Sentou-se dolorido na poltrona de pulgas, agarrado ao colar vermelho de pingente do amigo que não mais dormiria com ele. Saudosista, jantou a ração de seu cachorro.